Os irmãos Raquel e David Baum, de 6 e 4 anos, nunca foram à escola. Já o primogênito da família, Gabriel, de 13, deixou o colégio aos 8. Mas nenhum deles está sem estudar. A mãe, Sabrina Bittencourt, aderiu ao unschooling (desescolarização, em inglês). Nela, a criança deixa o ambiente escolar para praticar uma aprendizagem “livre e autônoma”. Quem explica é Carla Ferro, filósofa e pesquisadora que estará no encontro Educação 360, promovido pelos jornais EXTRA e “O Globo” nos próximos dias 11 e 12, em parceria com Sesc e Prefeitura do Rio e apoio da TV Globo e do Canal Futura. As inscrições, gratuitas, começam segunda-feira em www.educacao360.com.
— Essa modalidade permite que as crianças vivam a vida com oportunidades de encontros com outras pessoas, e, em vez de serem ensinadas, aprendem pelos próprios interesses — explica Carla, que estima um aumento no número de adeptos: — Conheci o unschooling durante minha pesquisa sobre aprendizagem sem ensino, em 2010. Mapeei 300 famílias no Brasil. Hoje, a rede da qual participo tem mais de três mil integrantes.
A desescolarização é diferente do homeschooling, quando a criança, em vez de ter aula na escola, tem em casa. O unschooling não prevê plano de estudo nem cronograma de aula dada por pais ou professores. Pelo método, a criança aprende aquilo por que se interessa, com ajuda dos responsáveis, que dão acesso às ferramentas necessárias.
Mas o modelo também sofre críticas. A pedagoga Lúcia Maria Wanderley Neves acredita que a criança perca em convivência com alunos da sua idade — um papel da escola que, segundo ela, é importante para o desenvolvimento infantil. Já a psicopedagoga Maria Irene Maluf afirma que é uma modalidade muito “trabalhosa” para os pais.
— E os pais têm que ter um padrão cultural para passar para a criança. A família tem que sentir necessidade de partir para esse tipo de desescolarização. Se for por modismo, não funciona — alerta.
No Brasil, homeschooling e unschooling não são regulamentados. Pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), é dever dos responsáveis matricular na escola crianças de 4 a 17 anos. Atualmente tramita no Congresso o Projeto de Lei 3179/12, que propõe a inclusão do ensino familiar na LDB. E uma ação de uma família gaúcha que reivindica o direito de educar os filhos em casa espera julgamento na Justiça.
Flexibilidade
Sabrina conta que Gabriel pediu para sair da escola porque, dizia o menino, o colégio não o estava levando a realizar seu sonho: o de “ajudar as crianças a ter uma alimentação saudável”. Ela, então, buscou um trabalho que desse flexibilidade para estar com os filhos e passou a investir no que as crianças querem aprender.
— Eles me dão resposta diária. Vamos avançando, dando pausas conforme suas necessidades. Meu parâmetro de sucesso são a segurança e o entusiasmo dos meus filhos — diz.
Gabriel foi alfabetizado na escola e nunca gostou muito de matemática; Raquel teve ajuda dos pais para aprender a ler; já o caçula está se interessando pelas letras e entende números e operações quando ligados à música.
— Eles têm interesses diferentes. Gabriel gosta de gastronomia, cinema, arquitetura ecológica, canto. Raquel, de astronomia, esportes, animais. David, de construção, peças de montar, desenho, música, jogos.
Entrevista com Carla Ferro:
Quais os ganhos do unschooling para a criança?
O ganho principal é a confiança expressa na própria criança. Ela se sente capaz de saber o que quer aprender. A convivência fica mais natural, sem aquele medo de errar, de falar uma bobagem, de testar uma hipótese sem sentido. Não criar uma criança com medo, nem se sentido melhor ou pior do que as outras.
Como manter o estímulo para o aprendizado?
A criança precisa de estímulo quando a gente quer decidir o que ela tem que aprender. Porque não necessariamente é o que ela quer. Quando tiramos a criança da escola, ela passa por um período mais vazio. Parece com um período de desintoxicação. Ela foi ensinada que existem conteúdos importantes e outros não. Quando tem tempo livre integral, ela fica um pouco sem saber. Dá ansiedade nos pais, claro. Mas, com o tempo, a própria criança vai procurar o que for de seu interesse. Ela percebe que não fazer nada não é legal.
Como saber se ela está aprendendo?
Quando a gente não se preocupa com conteúdos e resultados, o indicador de que está tudo bem é a convivência. Se ela está bem, se continua desperta para as coisa que gosta de fazer. Quando gosta de um instrumento ou de uma atividade qualquer, a criança se dedica, e não há a frustração do erro. Se tenta, tenta e não consegue, ela não perde a paciência. Se está fazendo porque quer, atinge níveis de excelência.
Como manter as relações com outras crianças?
Fica um pouco diferente a socialização pelo fato de ela não ter a exigência de conviver com pessoas da mesma idade. Ela vai cultivar relações mais próximas com pessoas que trazem afeto, amizade, conhecimento. E não tem a ver com a idade. É uma coisa mais fluída.
Não fica uma lacuna de conhecimento naquilo pelo que a criança não se interessa?
Quando a gente sai da universidade, não sabe tudo que passaram para a gente. Vamos para a escola aprender a funcionar da forma como esperam da gente. Aprender a buscar um trabalho em tempo integral, num escritório, fazendo coisas que não necessariamente a gente quer fazer ou vê sentido. A escola é eficiente para a pessoa ter funções. Quando se recusa essa lógica, a criança aprende o que interessa a ela. Coisas básicas como ler e escrever, ela vai aprender. Mesmo se for só como ferramenta. Na matemática, é a mesma coisa.
Como é a ajuda dos pais?
Se a criança pede, as pessoas ajudam. Todo mundo consegue ensinar as coisas mais simples. Ela vai aprendendo e, a partir daí, faz associações. Uma vez perguntaram para a minha filha quem a ensinou a ler e escrever. Ela explicou que foi o tempo. Ela aprendeu copiando, olhando fazerem. Quando são conhecimentos mais complexos, a gente busca ajuda: pessoas, informações, o amigo do amigo. Assim, ela aprende o processo de buscar informações.
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