Movimento Slow Food prega uma vida sem pressa e leva brasileiros a disputarem prêmio na Itália.
Por Chico Silva
Os letreiros
luminosos das redes de hambúrgueres, pizzas e outros alimentos produzidos em
série são os símbolos da força do adversário. Hot-dogs, enlatados,
salgadinhos encharcados provocam calafrios. Em um claro desafio ao ritmo
alucinado das metrópoles, recusam-se a fazer refeições em menos de uma hora.
Aquela “boquinha” na mesa do trabalho, jamais! Não, não estamos falando de
alienígenas. Essa é a filosofia de vida dos ativistas do movimento Slow
Food, em português “comida lenta”, criado na Itália em 1989 pelo
jornalista Carlo Petrini. Indignado com a abertura de um McDonalds na Piazza
di Spagna, em Roma, Petrini reuniu um pequeno exército para lutar contra a
massificação e a vulgarização do ato de comer.
No mundo, já
são 70 mil soldados, espalhados por 45 países, lutando pelo direito à
degustação sem pressa de pratos feitos com ingredientes naturais e de
preferência nativos – como o da receita da página ao lado. Transgênicos e
agrotóxicos são vistos como verdadeiros atentados ao escargot, o
molusco símbolo do SF. “Nós somos o Greenpeace da
gastronomia”, brada o publicitário mineiro Homero Vianna, um dos 60 sócios
brasileiros do clube.
Os primeiros a
revelarem o conceito do Slow Food por aqui foram os irmãos
italianos Massimo e Venâncio Ferrari, do restaurante Massimo, em São Paulo. “Os
prazeres sensuais precisam ser gozados. O frenesi desse dia a dia está levando
ao empobrecimento da vida. Com pressa nada pode ser bem-feito”, diz Venâncio,
amigo de Carlo Petrini e um dos sócios fundadores do SF International. Mas a
responsável pela organização do movimento no Brasil é a talentosa chef carioca
Margarida Nogueira. Ela descobriu a SF em 1996, navegando pela Internet.
No mesmo clique aderiu à causa. Três anos depois, durante uma viagem ao
Piemonte, Norte da Itália, conheceu o fundador do grupo. O homem que cavou
trincheiras para se defender da invasão de big macs e batatas
fritas procurava alguém para recrutar ativistas e criar os conviviuns,
espaços onde eles se reúnem. Margarida recebeu a missão.
Hoje há espaços no Rio de Janeiro, em São Paulo,
Belo Horizonte e Porto Alegre. Salvador e Florianópolis terão os próximos.
Mas engana-se quem pensa que a intenção destes bem-sucedidos senhores e
senhoras é apenas passar horas refestelando-se com o melhor da mesa. “Não
pregamos somente o comer devagar. O que buscamos é a preservação dos hábitos,
das raízes, da cultura e da biodiversidade. Trata-se de um movimento
filosófico”, diz a consultora de hotéis e restaurantes Heloísa Nader, 37 anos.
Ela é uma das responsáveis pelo convivium de São Paulo,
instalado no Le Tan Tan, badalado restaurante de comida contemporânea.
O Slow Food disponibiliza
assistência e verbas a pequenos agricultores que mantêm a produção de gêneros
considerados raros ou ameaçados de extinção. Heloísa gosta de contar uma
passagem que ocorreu antes da primeira reunião do convivium paulistano, em
junho. “Recebi o telefonema de um produtor do interior de São Paulo. Ele planta
mangarito, um tubérculo que tem a aparência do inhame e um gosto que lembra o
da mandioca. É um produto tipicamente brasileiro, que imaginávamos extinto”,
conta. Para premiar iniciativas como esta, o movimento criou o Slow
Food Award, uma espécie de Oscar para quem ajuda a preservar costumes e
tradições culinárias. “Numa das edições foi condecorado um índio mexicano que
conseguiu reimplantar o cultivo da flor de baunilha em sua tribo”, diz Margarida.
No final de outubro, três brasileiros concorrerão
ao SF Award 2002. A honraria será entregue durante o Salone Del Gusto,
um dos maiores eventos gastronômicos da Europa, marcado para o final de outubro
em Torino, Itália. Estão na disputa a cozinheira mineira Maria Lucia
Clementino, conhecida pelos amantes da gastronomia como dona Lucinha. Além
da indicação, ela foi convidada pela organização do Salone para mostrar
seu reconhecido dote no fogão – de lenha, é claro. Oitenta felizardos terão a
rara oportunidade de provar o sublime frango ora-pro-nóbis (uma erva espinhosa
que era utilizada para proteger o muro das igrejas) e a canjiquinha com
costelinha de porco. Para acompanhar, feijão tropeiro e vaca atolada. Mas
conquistar o prêmio não parece ser a maior preocupação dessa simpática
quituteira. “Hoje em dia só vejo abrirem casas com nomes que a gente nem
consegue ler. Esse povo precisa tomar vergonha e valorizar o que é nosso”, diz
dona Lucinha, com a segurança de quem passou 64 dos seus 70 anos pondo amor nas
panelas. Completam o time a chef Rosa Herz, dona do
restaurante Celeiro, do Rio, famoso por suas saladas feitas com verduras e
legumes fresquinhos, e o mineiro Flávio Carsalade, dirigente do Instituto
Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG). O
órgão é o responsável pelo registro do queijo produzido na região do Serro
como patrimônio da cultura mineira.
A contribuição brasileira ao movimento não pára por
aí. No final de 2001, a barroca cidade de Tiradentes, em Minas Gerais, e a
pequena Antônio Prado, no Rio Grande do Sul, receberam a denominação de Slow
Citys. Para merecer tal condecoração, o município precisa conservar
seu patrimônio histórico, cultural e gastronômico, além de levar uma vida
alguns quilômetros mais lenta do que a maioria. Na cidade gaúcha, colonizada
por italianos oriundos da região do Veneto, a placa de boas-vindas aos
visitantes é a própria síntese da causa. “Guie devagar, ande devagar, seja
devagar.”