quinta-feira, 2 de junho de 2016

Abaixo o fast-food!




Movimento Slow Food prega uma vida sem pressa e leva brasileiros a disputarem prêmio na Itália.

Por Chico Silva

Os letreiros luminosos das redes de hambúrgueres, pizzas e outros alimentos produzidos em série são os símbolos da força do adversário. Hot-dogs, enlatados, salgadinhos encharcados provocam calafrios. Em um claro desafio ao ritmo alucinado das metrópoles, recusam-se a fazer refeições em menos de uma hora. Aquela “boquinha” na mesa do trabalho, jamais! Não, não estamos falando de alienígenas. Essa é a filosofia de vida dos ativistas do movimento Slow Food, em português “comida lenta”, criado na Itália em 1989 pelo jornalista Carlo Petrini. Indignado com a abertura de um McDonalds na Piazza di Spagna, em Roma, Petrini reuniu um pequeno exército para lutar contra a massificação e a vulgarização do ato de comer.

No mundo, já são 70 mil soldados, espalhados por 45 países, lutando pelo direito à degustação sem pressa de pratos feitos com ingredientes naturais e de preferência nativos – como o da receita da página ao lado. Transgênicos e agrotóxicos são vistos como verdadeiros atentados ao escargot, o molusco símbolo do SF. “Nós somos o Greenpeace da gastronomia”, brada o publicitário mineiro Homero Vianna, um dos 60 sócios brasileiros do clube.

Os primeiros a revelarem o conceito do Slow Food por aqui foram os irmãos italianos Massimo e Venâncio Ferrari, do restaurante Massimo, em São Paulo. “Os prazeres sensuais precisam ser gozados. O frenesi desse dia a dia está levando ao empobrecimento da vida. Com pressa nada pode ser bem-feito”, diz Venâncio, amigo de Carlo Petrini e um dos sócios fundadores do SF International. Mas a responsável pela organização do movimento no Brasil é a talentosa chef carioca Margarida Nogueira. Ela descobriu a SF em 1996, navegando pela Internet. No mesmo clique aderiu à causa. Três anos depois, durante uma viagem ao Piemonte, Norte da Itália, conheceu o fundador do grupo. O homem que cavou trincheiras para se defender da invasão de big macs e batatas fritas procurava alguém para recrutar ativistas e criar os conviviuns, espaços onde eles se reúnem. Margarida recebeu a missão.

Hoje há espaços no Rio de Janeiro, em São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre. Salvador e Florianópolis terão os próximos. Mas engana-se quem pensa que a intenção destes bem-sucedidos senhores e senhoras é apenas passar horas refestelando-se com o melhor da mesa. “Não pregamos somente o comer devagar. O que buscamos é a preservação dos hábitos, das raízes, da cultura e da biodiversidade. Trata-se de um movimento filosófico”, diz a consultora de hotéis e restaurantes Heloísa Nader, 37 anos. Ela é uma das responsáveis pelo convivium de São Paulo, instalado no Le Tan Tan, badalado restaurante de comida contemporânea.

Slow Food disponibiliza assistência e verbas a pequenos agricultores que mantêm a produção de gêneros considerados raros ou ameaçados de extinção. Heloísa gosta de contar uma passagem que ocorreu antes da primeira reunião do convivium paulistano, em junho. “Recebi o telefonema de um produtor do interior de São Paulo. Ele planta mangarito, um tubérculo que tem a aparência do inhame e um gosto que lembra o da mandioca. É um produto tipicamente brasileiro, que imaginávamos extinto”, conta. Para premiar iniciativas como esta, o movimento criou o Slow Food Award, uma espécie de Oscar para quem ajuda a preservar costumes e tradições culinárias. “Numa das edições foi condecorado um índio mexicano que conseguiu reimplantar o cultivo da flor de baunilha em sua tribo”, diz Margarida.

No final de outubro, três brasileiros concorrerão ao SF Award 2002. A honraria será entregue durante o Salone Del Gusto, um dos maiores eventos gastronômicos da Europa, marcado para o final de outubro em Torino, Itália. Estão na disputa a cozinheira mineira Maria Lucia Clementino, conhecida pelos amantes da gastronomia como dona Lucinha. Além da indicação, ela foi convidada pela organização do Salone para mostrar seu reconhecido dote no fogão – de lenha, é claro. Oitenta felizardos terão a rara oportunidade de provar o sublime frango ora-pro-nóbis (uma erva espinhosa que era utilizada para proteger o muro das igrejas) e a canjiquinha com costelinha de porco. Para acompanhar, feijão tropeiro e vaca atolada. Mas conquistar o prêmio não parece ser a maior preocupação dessa simpática quituteira. “Hoje em dia só vejo abrirem casas com nomes que a gente nem consegue ler. Esse povo precisa tomar vergonha e valorizar o que é nosso”, diz dona Lucinha, com a segurança de quem passou 64 dos seus 70 anos pondo amor nas panelas. Completam o time a chef Rosa Herz, dona do restaurante Celeiro, do Rio, famoso por suas saladas feitas com verduras e legumes fresquinhos, e o mineiro Flávio Carsalade, dirigente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG). O órgão é o responsável pelo registro do queijo produzido na região do Serro como patrimônio da cultura mineira.

A contribuição brasileira ao movimento não pára por aí. No final de 2001, a barroca cidade de Tiradentes, em Minas Gerais, e a pequena Antônio Prado, no Rio Grande do Sul, receberam a denominação de Slow Citys. Para merecer tal condecoração, o município precisa conservar seu patrimônio histórico, cultural e gastronômico, além de levar uma vida alguns quilômetros mais lenta do que a maioria. Na cidade gaúcha, colonizada por italianos oriundos da região do Veneto, a placa de boas-vindas aos visitantes é a própria síntese da causa. “Guie devagar, ande devagar, seja devagar.”



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