Conheça as histórias de pessoas que optaram por diferentes formas de relacionamento. Em sentido horário, começando do canto superior esquerdo: Phelipe (esq.), André (dir.) e Rafael (sentado): trisal aberto | André e Marina: casamento fechado | Fernando (de pé), Andréa e Sérgio: poliamor aberto | André e Muriel: namoro aberto | Viviane: namoro aberto a distância (Foto: Júlia Rodrigues e Tomás Arthuzzi)
Uma mesa para três em algum restaurante “coxa” de São Paulo, escolhido por André Cobra, 28 anos. É assim que ele, Rafael Medeiros e Phelipe Vittorelli pretendem passar o Dia dos Namorados — o primeiro desde que começaram um relacionamento a três, dois meses atrás. O namoro, sério e aberto (com liberdade total para ficarem com outras pessoas), começou com uma brincadeira.
Rafael e Phelipe estavam juntos desde fevereiro, quando André apareceu na turma de amigos do casal e abalou os corações dos dois. “Eu já conhecia o André, tínhamos ‘ficado’ alguns anos atrás. Fiquei de novo e comecei a perceber uma tensão entre ele e o Phelipe”, conta Rafael. Um dia, no elevador, André sugeriu que os três ficassem juntos de uma vez. “Ele diz que era brincadeira”, ri Phelipe. Mas, poucos dias depois, André se juntou de fato ao relacionamento do casal, que virou, então, um trisal.
A alguns quilômetros, em Guarulhos, na Grande São Paulo, o 12 de junho da empresária Andréa Dias, 42 anos, também será festejado a três, com os maridos Sérgio Dias — com quem se casou de papel passado e com cerimônia na igreja há mais de 15 anos — e Fernando Costa — que há cinco largou a vida em Portugal, sua terra natal, para se unir à dupla no Brasil. Desde então, todos dividem a mesma casa e também os cuidados com Matheus, filho de Fernando com outra mulher, que vai completar três anos em agosto.
Os três namorados e os três casados encaram diariamente as mesmas dificuldades que um casal monogâmico, seja ele heterossexual, seja homossexual: ciúmes, desentendimentos sobre a vida doméstica e atritos bobos, causados pelas diferenças de personalidade. E a solução também é a mesma: uma boa dose de conversa, respeito e paciência.
Entre os gays, no entanto, relacionamentos abertos não são tão incomuns quanto entre os heterossexuais. Um estudo da Universidade Estadual de San Francisco (EUA) acompanhou 556 casais de homens durante três anos — e descobriu que 50% deles faziam sexo fora do casamento com aprovação total do parceiro. Embora não exista um “censo dos relacionamentos” para que sejam conhecidos os dados de toda a população e bons estudos na área ainda sejam escassos, as maiores pesquisas feitas nos últimos anos estimam que, ao todo, nos Estados Unidos, cerca de 5% das pessoas vivam relações não monogâmicas consensuais, aquelas em que todos os envolvidos concordam com amores e/ou sexo com outros. Nesse grupo, conforme o levantamento, a maioria tende a ser de homens gays.
VISIBILIDADE
Embora ainda tão estigmatizados, é fato que os relacionamentos não monogâmicos têm despertado cada vez mais a atenção da sociedade. Um reflexo claro da curiosidade está nas pesquisas no Google. Considerando só o termo “poliamor”, a procura quadruplicou entre os usuários brasileiros nos últimos cinco anos. Hollywood também tem dado sua colaboração no debate: celebridades de todas as idades já contestaram os valores da monogamia. Logo após o divórcio, em março, a atriz Scarlett Johansson, de 32 anos, contou que não acha natural ser uma pessoa monogâmica — “Acho que isso é um trabalho, é um grande trabalho”. E recentemente, Anne e Kirk Douglas, com 98 e 100 anos, respectivamente, lançaram um livro contando seus casos extraconjugais, todos eles vividos com a aprovação dos dois.
Para esses casais, a lealdade vale mais do que a tradicional fidelidade sexual e afetiva. É o caso de Muriel Duarte e André Biozoti, que levam um relacionamento aberto há cinco anos. “Eu não me enquadro em um padrão heteronormativo monogâmico. As pessoas sentem atração por outros durante o namoro ou casamento — e tudo bem”, conta ela. Os dados corroboram a percepção de Muriel: 60% dos homens e 47% das mulheres brasileiras admitiram já terem sido infiéis, segundo pesquisa da antropóloga Mirian Goldenberg realizada com 1.279 pessoas.
“Se metade das pessoas traem, existe alguma coisa errada com a monogamia”, ri Regina Faria, que se tornou ativista da Rede Relações Livres em Porto Alegre em 2012, aos 42 anos. O grupo vai além dos relacionamentos abertos e do poliamor no quesito desprendimento: rejeita qualquer forma de controle de uma pessoa sobre outra em prol da liberdade individual total. Para Marco Rodrigues, um dos fundadores do movimento, que vive relações livres desde a sua adolescência, na década de 80, existe atualmente uma crise profunda do ideal de família. “Mas não vivemos a construção de alternativas, elas estão escondidas. Estamos vivendo uma agonia muito grande porque o antigo não funciona, mas ninguém faz o novo — ou faz o novo muito parecido com o antigo”, diz. Para ganhar mais visibilidade, o grupo, hoje com cerca de 50 pessoas, começou em maio a montar no centro da capital gaúcha o Ateliê 130, sua primeira sede, e lançou em junho um livro explicando os fundamentos das RLi (pronuncia-se “érreli”, apelido da rede). “As pessoas acham que é alguma brincadeira de solteiro, algo assim. Mas erotismo é o assunto sobre o qual nós menos conversamos nos nossos encontros”, explica Rodrigues.
DE ONDE VIEMOS?
Nem todo mundo concorda com essa liberdade toda — relacionamentos abertos, poliamorosos ou livres ainda são exceções. Só para se ter ideia, no ano passado, a YouGov, empresa global de pesquisa de mercado na internet, perguntou a mil norte-americanos de diferentes idades se eles deixariam seu parceiro romântico fazer sexo com outras pessoas: 8% não souberam responder, 5% aceitariam numa boa, 19% topariam em algumas circunstâncias e 68% não permitiriam de jeito nenhum. É o caso de casais como Marina e André Bragatto, juntos há 12 anos e casados de papel passado desde 2013, que preferem ser apenas dois — indiscutivelmente dois. “Eu nunca senti vontade de ficar com outras pessoas”, conta ela.
O que faz, então, existirem comportamentos tão diferentes entre os humanos? A ciência ainda não tem uma resposta tão clara para a prevalência da monogamia — e suas exceções — entre nós. Fazemos parte de um grupo bem pequeno: só 5% das espécies de mamíferos levam a vida monogamicamente, casos em que o macho forma vínculo de longo prazo com uma única fêmea e oferece cuidados paternos. Nos 95% restantes, ele nem quer saber de tomar conta da prole e se acasala com a maior quantidade possível de fêmeas, o que, em termos de evolução, é uma vantagem, já que aumenta a diversidade genética da população.
PARA ONDE VAMOS?
Mesmo sem direitos legais reconhecidos e sob olhares julgadores, os relacionamentos não monogâmicos consensuais parecem estar vencendo a resistência pouco a pouco, principalmente entre os mais jovens. De acordo com a pesquisa da consultoria YouGov, feita em 2016 nos Estados Unidos, 17% dos participantes de 18 a 44 anos disseram já ter tido relações sexuais com outra pessoa com o consentimento do parceiro. O índice cai para 9% na faixa de 45 a 64 anos e despenca para 3% entre os maiores de 65. Só o que não muda muito é o índice de quem pulou a cerca sorrateiramente. Nos extremos, entre os mais jovens e os mais velhos, o número é o mesmo: 21% transaram com outros e não deram um pio — o que mostra que, para além das paredes do quarto, expor essas vontades ainda é um tabu. O mesmo estudo descobriu também que só 69% das mulheres e 52% dos homens acham que o tipo ideal de relacionamento é completamente monogâmico. Para o restante, alguma medida de não monogamia seria bem-vinda.
Da intenção à prática, porém, o preconceito inibe mais “saídas do armário” de quem gostaria de viver, ou já vive às escondidas, de um jeito fora do padrão. “No trabalho, já disseram que o que eu tenho ‘não é casamento, é putaria’”, lembra Sérgio Dias, que leva uma vida a três. “Assumir-se requer uma avaliação cuidadosa das circunstâncias individuais em questões como segurança, dependência financeira, emprego, situação familiar e níveis de conforto em relação a estigma e rejeição”, destaca a filósofa Carrie Jenkins.
Em resumo, não há receita fácil. Cada um escolhe a forma que lhe cabe melhor — e cabe a todos nós aceitar e respeitar as escolhas diferentes, tanto monogâmicas como poliafetivas. Até porque, no fim das contas, o sonho de todos é um só: a felicidade.
HORA DA VERDADE
Pesquisa nos EUA mostra que muitos traem, mas poucos abririam a relação
Como você reagiria se seu parceiro quisesse ter relações sexuais com outras pessoas?
Você já se relacionou sexualmente com alguém sem o consentimento do seu parceiro?
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