sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Gentileza e simplicidade

(Revista Isto é: Zeca Baleiro - Adaptação)


Há alguns meses, estava eu numa lanchonete quando vi, do outro lado de uma pesada porta de vidro, um casal se aproximando com bandejas nas mãos. Vendo a sua dificuldade em abrir a porta com as mãos ocupadas, e vendo que ninguém ali no recinto esboçara qualquer atitude, saí da mesa em que estava sentado confortavelmente e puxei a porta para que os dois passassem. Passaram. E eu fiquei esperando um agradecimento qualquer, por tímido que fosse. Mas que nada!... Tempos depois, na recepção de um hotel, abri a porta para uma senhora que carregava sua mala com certo sacrifício e, de novo, nem um mísero "obrigado" ouvi. Não que eu tenha feito tais favores com a intenção de ser laureado, com condecoração em praça pública, chave da cidade, comenda, quermesse e festa no sambódromo, mas penso que é muito alentador ouvir agradecimentos quando se presta um favor a alguém. Instaura-se uma tal atmosfera de "amistosidade" que, ainda que por um momento, nos dá a esperança de viver num mundo mais gentil, menos bárbaro. Conto essas histórias para ilustrar a minha percepção de que hoje as pessoas raramente agradecem, talvez porque entendam a gentileza apenas no contexto dos serviços. O porteiro que carrega a mala, a recepcionista que dá a informação, o taxista que abre a porta, a aeromoça que retira a mala do bagageiro... A gentileza é um serviço, não um gesto espontâneo e desinteressado, logo agradecer seria um detalhe, não uma obrigação. Gosto de fazer favores, como gosto de agradecer. Dar a vez no trânsito hoje em dia é um gesto com mais poder transformador do que qualquer manifestação na porta do Congresso ou passeata na Paulista. "Gentileza gera gentileza", disse o folclórico profeta contemporâneo. E gratidão é nobreza, costuma dizer um amigo, filósofo de padaria. Zapeando a tevê dia desses, vi por acaso matéria sobre a São Paulo Fashion Week, disputado evento da moda brasileira, cujo emblema de alta-costura ganhou status de alta cultura nos dias que correm. Lá pelas tantas a repórter entrevistava personalidades para falarem da grande tendência do momento: a simplicidade. Diziam elas: "Superprodução é fake, o lance é se vestir com simplicidade"; "tem que ser básico, nada de figurinos superproduzidos"; "simplicidade é a palavra"... Bem, concluo então que as pessoas agora se produzirão para parecerem simples, o que vai de encontro à real ideia de simplicidade. No dicionário, entre muitos sentidos da palavra "simples", há: "que evita ornamentos dispensáveis ou afetação" e "desprovido de elementos acessórios", tudo o que a moda não pode ser.

Nenhum comentário:

Postar um comentário