(Revista Isto
é: Zeca Baleiro - Adaptação)
Há alguns meses, estava eu numa lanchonete quando vi,
do outro lado de uma pesada porta de vidro, um casal se aproximando com
bandejas nas mãos. Vendo a sua dificuldade em abrir a porta com as mãos
ocupadas, e vendo que ninguém ali no recinto esboçara qualquer atitude, saí da
mesa em que estava sentado confortavelmente e puxei a porta para que os dois
passassem. Passaram. E eu fiquei esperando um agradecimento qualquer, por
tímido que fosse. Mas que nada!... Tempos depois, na recepção de um hotel, abri
a porta para uma senhora que carregava sua mala com certo sacrifício e, de
novo, nem um mísero "obrigado" ouvi. Não que eu tenha feito tais
favores com a intenção de ser laureado, com condecoração em praça pública,
chave da cidade, comenda, quermesse e festa no sambódromo, mas penso que é
muito alentador ouvir agradecimentos quando se presta um favor a alguém.
Instaura-se uma tal atmosfera de "amistosidade" que, ainda que por um
momento, nos dá a esperança de viver num mundo mais gentil, menos bárbaro. Conto
essas histórias para ilustrar a minha percepção de que hoje as pessoas
raramente agradecem, talvez porque entendam a gentileza apenas no contexto dos
serviços. O porteiro que carrega a mala, a recepcionista que dá a informação, o
taxista que abre a porta, a aeromoça que retira a mala do bagageiro... A
gentileza é um serviço, não um gesto espontâneo e desinteressado, logo
agradecer seria um detalhe, não uma obrigação. Gosto de fazer favores, como
gosto de agradecer. Dar a vez no trânsito hoje em dia é um gesto com mais poder
transformador do que qualquer manifestação na porta do Congresso ou passeata na
Paulista. "Gentileza gera gentileza", disse o folclórico profeta
contemporâneo. E gratidão é nobreza, costuma dizer um amigo, filósofo de
padaria. Zapeando a tevê dia desses, vi por acaso matéria sobre a São Paulo Fashion Week, disputado evento da moda
brasileira, cujo emblema de alta-costura ganhou status de alta cultura nos dias que correm. Lá pelas tantas a
repórter entrevistava personalidades para falarem da grande tendência do
momento: a simplicidade. Diziam elas: "Superprodução é fake, o lance é se vestir com
simplicidade"; "tem que ser básico, nada de figurinos
superproduzidos"; "simplicidade é a palavra"... Bem, concluo então
que as pessoas agora se produzirão para parecerem simples, o que vai de
encontro à real ideia de simplicidade. No dicionário, entre muitos sentidos da
palavra "simples", há: "que evita ornamentos dispensáveis ou
afetação" e "desprovido de elementos acessórios", tudo o que a
moda não pode ser.
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